domingo, 20 de junho de 2010

O que há além da inocência.

É só apenas um momento, ele está ali por mim. Estável. Estático. Tão bonito assim visto como se coubesse nas minhas mãos. Como se eu pudesse alcançá-lo. Tão bonito nessa distância segura. Eu juraria poder alcançá-lo. Quando ele se despedaça por mim. Quando finge prazer em meus sorrisos. É tão estranhamente belo. Me pergunto o que fiz? O que fez? Durante todo esse tempo. Somos apenas peças separadas por dedos que nunca alcançam. Mas isso é seguro pra ele e pra mim.

Nossas peças se espalham em mesas alheias. E ele continua sempre por mim. Embriagando-se em beijos alheios. E me pergunto se ele estará ali por mim realmente. Deitado. Imerso. Sal a cobrir meus sonhos. E areia que esse vento não trouxe mais. Eu precisaria de um pouco de afeto pra me cobrir de beijos salgados. Aos olhos de todos uma mulher a se despedaçar. Espero que ele me traga de novo algo menos dolorido.

É apenas desejos que se somam. Dão lugar a estranhos. E já não são nada mais além de palavras minhas. É ele além de mim. Projetado por meus desejos. Um amor a se despedaçar. Aos meus pés se desdobrando. Danço uma música que somente eu conheço. Canto tristezas distantes. O mundo aos meus pés. Ele chora e se contorce. Tão bonito assim, com olhos de sentimentos alheios. Sofrendo as minhas dores. Tomando pra ele todo o meu peso. Pede pra que eu não seja mais ausente, mesmo nos meus momentos de loucura. Que não fosse antes de devorá-lo por inteiro. E me pergunto se há ele além de mim.

Olhando assim penso em todas as conseqüências que o causei. Todo o mal. E me sinto encantadoramente desprezível. Como sempre fui aos olhos de todos que se envolveram com meu perfume. Simplesmente não entendo o porque dele permanecer ali. Só posso admirá-lo por permanecer quando todos já foram. Por vê-lo tentar me tocar sem se machucar. Tentar me provar sem que seja envenenado mais uma vez. É tão tolo. Tão bonito que até poderia amá-lo.

Por amor a si

Rosas vermelhas na cama. Em menos de uma semana estariam murchas. Em menos de dois dias seriam esquecidas. Jogadas sobre alguma mesa. Dentro de algum jarro. No aparelho sanitário. Sem criar raízes. Vínculos e fungos.

Mais bonitas em outra cama. Entre outros lençóis. Não combinam com a cor das paredes. Não perfumam o ambiente. Presente. Melhor dar a alguém. Combinavam com os olhos de Carolina. Sim, combinavam com os olhos dela. Talvez durassem mais sobre o olhar castanho-avermelhado.

Uma semana ou mais. Quem sabe um jarro grande. Numa mesa de jantar. Atenções e elogios. “Rosas bonitas. Quem te deu?” Orgulharia a qualquer um. Seria dona do crédito de dar rosas bonitas. Um obrigado. Um sorriso. Um comentário. Ficariam bem melhores. Ela e as rosas. Carolina e as rosas. Um grande presente.

Mas Carolina tinha marido. Carolina tinha Gustavo. Gustavo sempre trazia algo para a mulher. Diversas rosas. Diversas cores. Diversos presentes e elogios. E Carolina se derretia. Não seria nada a fazer diferença. Rosas vermelhas entre outras. Entre tantas outras vermelhas. Eram apenas mais rosas. Nem seria uma grande surpresa. E os elogios não seriam mais presentes. O que é natural passa despercebido.

Mas aquilo não seria natural para Gustavo. Um tanto ciumento. Um tanto inseguro. Perguntaria engolindo dois goles de paciência: “Quem te deu isso?”. E Gustavo nunca acreditaria. E Carolina ficaria nervosa. Enrolaria as palavras. Enrolaria as mãos entre as rosas. Os espinhos a furar a pele. E ela, desconcertada, a jogar rosas mais vermelhas no lixo. Tentando agradar o marido. Tentando acalmar sua impaciência com beijos.

Então é melhor não. Melhor achar outro alguém. Colocar na porta de um desconhecido. Passar adiante, antes que o tempo passe. Antes que fiquem murchas. Antes que morram sobre sua cama. Sem criar as raízes necessárias. Sem receber os elogios que mereciam. Mas Maria não sabia. O que faria?

As rosas não combinavam. Ela e as rosas. Uma sem poder agradar a outra. E agora elas ali sobre sua cama a colorir os seus lençóis de uma maneira quase invasiva. E Maria não sabia o que era necessário. O que seria necessário para ela mesma aceitar. Ela mesma querer as rosas que haviam sido dadas a ela por ela mesma.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Álibi

Eu tive medo. Ontem dormi. Ontem cai da cama. Tive pesadelo. E depois insônia. Agora tenho medo que meu pesadelo não me dê apenas insônia. Dor de cabeça. Remédios. Pra dor. Pra dormir. Pra esquecer.
E sobre o que era o pesadelo? Falta de memória. Não lembro. Se for dor de cabeça tudo bem. Mas tenho medo que vá ficar fixo essa idéia de insônia. Que vá se fixar em mim os efeitos colaterais dos remédios que tomo para dormir. Para parar a dor.
Quem sabe ela pare aqui hoje. Quem sabe tenha cansado de andar por ai e deseje voltar hoje. Sem lembranças de ontem. Talvez ela lembre de mim. Eu queria abrir a porta e vê-la entrar e tomar algo com pernas cruzadas. E dizer algo com jeito de quem realmente não se importa com o que diz, com o que faz.
Ontem ela entrou pela porta da cozinha. Ontem ela jogou vinho no meu rosto e gargalhou como louca. Cantou e dançou. Gritou. Ria e chorava descontrolada. Então ela saiu pela porta da cozinha.
E eu fiquei com esse gosto de vinho acre na boca. Por ela ter entrado de repente. Fazendo todo o seu escândalo, que é natural de toda mulher. Por ela partir assim de repente. Jogando vinho no meu rosto. Fazendo com que lágrimas se misturem ao vinho. Estragando minha noite e apodrecendo o meu dia. E por ter medo de perdê-la, tive pesadelo.